Se o Diretor Clínico pode tornar obrigatório o preenchimento do formulário sobre consentimento informado aos profissionais médicos da instituição.

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Consulta    nº  124.460/10

Assunto:  Se o Diretor Clínico pode tornar obrigatório o preenchimento do formulário sobre consentimento informado aos profissionais médicos da instituição.

Relator:  Conselheiro José Marques Filho.

Ementa: Obrigatoriamente, deve constar no prontuário médico os esclarecimentos prestados e o consentimento do paciente. Não achamos razoável nem necessário obter a assinatura do paciente para todo e qualquer procedimento médico. Por outro lado, nada impede que o TCLE seja utilizado em determinados serviços ou departamentos médicos para a realização de exames diagnósticos invasivos, cirurgias e terapêuticas mais agressivas. Não é possível que um diretor clínico baixe norma obrigando o TCLE para todos os procedimentos ou para determinados procedimentos.

O consulente Dr. G.Z., médico Diretor clínico de hospital do interior do Estado de São Paulo, faz Consulta ao CREMESP nos seguintes termos:

"Na condição de Diretor Clínico de hospital, e tendo em vista satisfazer aos critérios exigidos para se elevar o padrão da instituição para atingir nível para qualificação hospitalar, e mais importante ainda, assegurar aos profissionais médicos segurança, respaldo ético, judicial e esclarecimento informado aos pacientes, desejo saber como pode a Diretoria Clínica fazer com que os médicos procedam à emissão dos termos de consentimento informado quando o procedimento médico assim o exigir. Já emiti ofício a todos os membros do Corpo Clínico e não obtive a adesão dos mesmos.

Como Diretor Clínico poderia tornar obrigatório o preenchimento deste formulário?".


PARECER

As questões colocadas para discussão e parecer deste Conselho Regional pelo consulente são bastante atuais e é tema freqüente nas revistas médicas especializadas em Bioética e nos eventos da área de Bioética, direito médico e ética médica.

Um breve histórico é necessário para que possamos discutir o assunto.

As pesquisas com seres humanos sempre foram realizadas ao longo da secular história da Medicina com variáveis graus de eticidade; porém, do ponto de vista formal, somente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), através do Código de Nuremberg, tornou-se indispensável o consentimento formal do sujeito de pesquisa para participar de qualquer pesquisa biomédica envolvendo seres humanos. E isso só ocorreu devido aos abusos cometidos contra a humanidade nos campos de concentração pelos médicos nazistas, que foram punidos em um julgamento realizado na cidade de Nuremberg.

Todos os documentos e as declarações internacionais posteriores referentes às pesquisas com seres humanos, inclusive a importante Declaração de Helsinque de 1964 e, no Brasil, a Resolução CNS 196/96, referendaram a obrigatoriedade do Consentimento Informado nos protocolos de pesquisas.

O Consentimento Informado é a expressão prática do respeito à autonomia das pessoas, e parece incrível que um direito tão elementar tenha passado a ser discutido e normatizado somente na década de 40 do século passado. A incorporação desse referencial bioético na prática médica e nos Códigos de Ética demorou mais algum tempo e, ainda hoje, pode-se dizer com segurança, que muitos profissionais continuam mantendo uma prática com forte cunho paternalista.

Nos últimos anos tem-se refletido sobre a necessidade e a conveniência da implantação formal do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) nos procedimentos médicos da prática diária, em relação tanto aos procedimentos diagnósticos como terapêuticos.

Deve aqui ficar bem claro a diferença entre Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Enquanto o primeiro é apanágio da boa prática médica, está adequadamente normatizado no Código de Ética Médica e é obrigatório para todo procedimento médico, o segundo é um termo formal, assinado por médico e paciente, tanto em protocolo de pesquisa quanto na prática diária da Medicina.

Em relação à legislação a Espanha é um dos poucos países do mundo que tem uma lei determinando a obrigatoriedade do TCLE na prática médica assistencial. A Lei 41/2002 determina a obrigatoriedade do TCLE em procedimentos cirúrgicos e exames invasivos.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais não têm resoluções normatizando o TCLE; porém, em pareceres oficiais, admitem que o uso do TCLE é ético e legal e pode ser aplicado na rotina médica assistencial.

A literatura especializada demonstra que basicamente há duas visões em relação ao TCLE na prática médica assistencial. A primeira, uma visão mais jurídica, segue uma linha conhecida como Medicina Defensiva, onde os autores defendem a importância do documento, assinado pelo paciente, que tem como objetivo principal constituir provas para futura defesa em uma eventual lide judicial ou ética. A segunda, com argumentos mais consistentes e bem fundamentados nos textos publicados, apresenta uma visão filosófica e prática, lastreada nos referenciais bioéticos, em que o consentimento do paciente é visto como um processo continuado na relação médico-paciente, com informações e esclarecimentos que visam primordialmente a proteger e estimular a autodeterminação do paciente no sentido mais amplo do respeito à dignidade da pessoa enferma.

Nossa visão atual é que se deve entender o TCLE como uma exigência ética e jurídica na assistência médica praticada atualmente.

Obrigatoriamente, deve constar no prontuário médico os esclarecimentos prestados e o consentimento do paciente.

Não achamos razoável nem necessário obter a assinatura do paciente para todo e qualquer procedimento médico. Por outro lado, nada impede que o TCLE seja utilizado em determinados serviços ou departamentos médicos para a realização de exames diagnósticos invasivos, cirurgias e terapêuticas mais agressivas.

A literatura demonstra que não há garantia de que essa prática evite futuras demandas judiciais, nem que sua presença garanta o esclarecimento devido ao paciente.

Entendemos que a obrigatoriedade do TCLE em todos os procedimentos médicos pode levar a uma "burocratização" da relação médico-paciente, que sendo um dos pilares do exercício da Medicina, tem como principal característica a confiança e o respeito mútuo.

Especificamente em relação às questões levantadas pelo consulente, entendemos que não é possível que um diretor clínico baixe norma obrigando o TCLE para todos os procedimentos ou para determinados procedimentos. A sugestão é que através de uma discussão mais ampla com os vários departamentos do hospital, com a obrigatória participação da Comissão de Ética Médica, sejam definidos os procedimentos onde o TCLE seria mandatório para a sua realização.

A implantação de tais normas ocorreria após uma ampla divulgação ao Corpo Clínico, garantindo dessa maneira uma maior adesão de todos.


Este é o nosso parecer, s.m.j.

 

Conselheiro José Marques Filho


APROVADO NA 4.431ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 08.07.2011.
HOMOLOGADO NA 4.432ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 12.07.2011.