Numa decisão sem precedentes no Brasil, casal de testemunhas de Jeová e o médico da família, da mesma religião, irão a júri popular pela morte de criança impedida de receber transfusão de sangue: por três votos a dois, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo avaliaram que os pais não cumpriram o seu dever de proteger a filha de apenas 13 anos.
Juliana Bonfim da Silva sofria de anemia falciforme %u2013 doença hereditária que altera os glóbulos vermelhos, prejudicando a oxigenação do sangue %u2013 motivo pelo qual foi internada, em julho de 1993, em um hospital de São Vicente, na Baixada Santista.
Necessitava de transfusão urgente de sangue, mas seus pais, o militar reformado Hélio Vitório dos Santos, hoje com 68 anos, e Ildemir Bonfim de Souza, 57, não autorizaram o procedimento.
Contaram com o apoio do médico e amigo da família José Augusto Faleiros Diniz, 67 anos %u2013 também testemunha de Jeová %u2013 que, a exemplo do casal, foi indicado a júri popular, pois, de acordo com o entendimento dos magistrados, %u201Cassumiram o risco, ao impedir a ação da equipe do hospital%u201D em que a menina estava internada.
Para a promotoria, os pais da vítima, %u201Capesar de todos os esclarecimentos feitos por médicos do hospital, recusaram-se a permitir a transfusão de sangue na paciente, invocando preceitos religiosos dos testemunhas de Jeová, religião da qual eram adeptos%u201D.
A denúncia contra os três foi formalizada em 1997 e, desde então, o caso vem se arrastando na justiça.
Equipe médica. Culpada?
Já a defesa dos três trabalha com o argumento de que o casal, como leigo, não teria como interferir em decisões médicas. Ou seja, o advogado Alberto Zacharias Toron opina que seria dever %u201Cdos médicos salvar a vida da criança, independente da vontade da paciente e dos seus pais%u201D.
Na opinião do defensor %u201Cjogaram aos leões os pais que são leigos nas questões médicas (...). Tratar como assassinos os pais, que amavam essa menina e a levaram ao hospital para salvá-la, é uma crueldade%u201D.
Passados tantos anos, a mãe de Juliana agora nega ter dito que preferia %u201Cver a filha morta do que salva-la%u201D pela transfusão. %u201CApenas deixei que minha filha decidisse.%u201D O pai também nega a acusação.
Encarregados de direcionar um caso tão doloroso e complicado, os advogados e desembargadores discutiram por mais de uma hora e meia sobre quem seriam os culpados pela morte %u2013 os pais ou a equipe médica do hospital que a acompanhou.
Ao final, votaram pelo júri popular aos testemunhas de Jeová os magistrados Roberto Midolla, Antônio Sérgio Coelho de Oliveira e Francisco Bruno, que confessou ser este %u201Cum dos casos mais difíceis%u201D de sua carreira. %u201CTorço pelos réus, mas não posso dizer que não devem ir ao júri%u201D.
Votaram favoravelmente os desembargadores José Orestes de Souza Nery e Waldir Sebastião De Nuevo Campos Júnior.
A família e seu advogado avisaram que vão recorrer da sentença ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, se preciso, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Fontes: site G1 (globo.com) e Ultimosegundo.com (18-11-2010)