Anestesia Regional e a Criança Inconsciente

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Na opinião do Dr. Bromage, em brilhante artigo na Acta Scandinava (Bromage PR, Acta Anaesthesiol Scand; 1997; 41:439-444), porém alicerçado em dados para pacientes adultos, o paciente deveria sempre estar desperto quando submetido a bloqueios regionais, principalmente se aplicados ao neuroeixo. Estando o paciente acordado uma via de comunicação direta entre ele e o anestesista estará aberta e, desta forma, o próprio paciente servirá de fonte valiosa de informação de sintomas e sinais de neurotoxicidade, cardiotoxicidade, e outros como a dor, se o anestésico estiver sendo injetado por acidente dentro de um nervo ou de uma raiz nervosa central. Todos aprendemos a reconhecer uma voz arrastada pela parestesia da língua, ou uma alteração de conduta, após a injeção intravascular acidental de anestésico local. Portanto, parece de pouca dúvida que o paciente adulto deverá ser submetido a bloqueios regionais sempre desperto.
O paciente pediátrico se constitui em caso a parte. Torna-se quase mandatório em crianças algum tipo de sedação antes das punções periféricas ou centrais. São raros os pacientes pediátricos que permitem as punções sem manifestação de desagrado e sofrimento. Levando-se em consideração que a anestesia regional na criança é uma forma de analgesia e não de anestesia, ela sempre será associada a uma outra técnica anestésica, seja inalatória ou endovenosa. Assinale-se também que o paciente pediátrico mesmo acordado terá grande dificuldade em entender o que significa uma parestesia, ou esteja tranqüilo o suficiente para acusar qualquer outro sintoma. De fato na prática clínica uma completa imobilidade é compulsória (Dalens B et al, Curr Opin Anaesthesiol 1994; 7:257-261) durante a realização dos bloqueios. Assim, virtualmente todos os bloqueios são feitos em crianças anestesiadas (Giaufre E et al, Anest Analg; 1996; 83:904-912). O que aprendemos da literatura e da própria experiência prática é que complicações não são maiores nos pacientes pediátricos quando comparados aos adultos, muito pelo contrário (Auroy Y et al, Anesthesiology; 1997; 87:479-486). Em estudo sobre anestesia regional em crianças, conduzido em três países e publicado pela Associação de Anestesistas de Língua Francesa (ADARPEF), mostrou-se após a avaliação de 24.409 anestesias regionais, apenas 23 complicações. Nenhuma destas complicações resultou em seqüela grave e variaram entre punções durais, arritmias e sobre doses. Em pesquisa de dez anos no Hospital Infantil Joana de Gusmão de Florianópolis verificou-se 24.409 anestesias regionais em crianças todas sob alguma forma de anestesia; 15.013 foram bloqueios centrais e 9.396 bloqueios periféricos. Encontramos 23 complicações: punção dural : 8; sobredose: 2 arritmias: 2; Hematoma: 1; injeção intravascular: 7; outros: 3.

Podemos concluir então, que a anestesia regional em crianças sedadas ou anestesiadas é uma técnica segura e confiável. Entretanto, é necessária uma escolha correta da técnica que vai ser empregada, pesando-se o risco/benefício, ou seja, empregar sempre a técnica de menor morbidade possível para o fim desejado. Por exemplo, evitar bloqueios centrais para cirurgias de pequeno porte como postectomias ou herniorrafias, que podem ser beneficiadas por outros tipos de bloqueios, como o do nervo peniano e os dos nervos iliinguinal e iliohypogástrico respectivamente. Toda anestesia regional tem suas indicações e contra-indicações que devem ser avaliadas e respeitadas para cada paciente.

Assim procedendo, o fato de um paciente pediátrico estar sob anestesia inalatória, endovenosa ou outra forma de sedação, não tem trazido maiores conseqüências, se estivermos pensando em aumento da morbidade.

10/10/2001
Professor de Anestesiologia, Fundação Universidade de Blumenau – SC e Chefe do Serviço de Anestesiologia Hospital Infantil Joana de Gusmão – Florianópolis – SC


Fonte: Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul